Todo verdadeiro grande passo adiante, no crescimento do espírito, exige o baque inteiro do ser, o apalpar imenso de perigos, um falecer no meio de trevas; a passagem. Mas, o que vem depois, é o renascido, um homem mais real e novo. João Guimarães Rosa
Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. Sabemos que a morte e a vida não são contrárias; são irmãs. Mas teimamos em esquecer essa verdade. Somos, como disse nosso diplomata de Cordisburgo: “Passarinho que se debruça – o voo já está pronto!”
Xistinho é um irmão de sonhos e ideais. Sempre será. Em sua rica jornada de vida, ainda que muito curta, Xistinho deixou um legado de compaixão, de caridade, de amizade e de outridade. Membro fundador do Instituto Espinhaço, Xistinho sempre foi um incentivador de tudo que se relaciona com a melhoria e o desenvolvimento da nossa querida Conceição. O sonho do Instituto Espinhaço nasceu, também, impulsionado pelo sonho de Xistinho.
Xistinho ama Conceição, ama as pessoas, ama a vida, para além das aparências. Xistinho é um devoto do espírito. Sempre foi, é, e será. Ele nunca esteve limitado ao corpo, à matéria, ao transitório. Ele sempre falou pela alma e sempre agiu com o coração.
Em muitas das inúmeras ações que fizemos juntos, desde o sonho de propormos a criação do Parque Natural Municipal Salão de Pedras, em 1999, até os plantios de mudas de árvores nativas que fizemos, muitas vezes juntos, ou as intermináveis reuniões que fizemos, noite adentro sonhando com uma cidade melhor e mais justa, tudo isso estava ancorado na convicção de fazer o melhor de si para os outros. Xistinho é contagiante em seu ânimo com a vida, em sua devoção e sua dedicação para com as causas maiores, para além do convencional da vida. Grande é a necessidade de que os homens se tornem conscientes da vida interior e dos aspectos sutis que amparam a nossa existência. Em igual proporção, é premente o esforço para o despertar, pois não é a força das palavras que pode transformar o mundo, mas, sim, a força do ser.
Mais cedo ou mais tarde, todos somos colocados diante dos portais da entrega. Chegaremos ao dia, inexoravelmente, em que não há mais livros que nos instruam, mãos que nos sustentem, palavras que possam responder às nossas demandas. Eu sei: o destino de cada indivíduo cabe a ele e ao Absoluto traçar, em cada gesto, todos os dias. Somos, ainda que sem saber, servidores em potencial do mundo do porvir.
No dia 28 de julho nosso amigo Xistinho “fechou os olhos para ver melhor”, ver Deus e sua grande obra, sem as amarras dos nossos sentidos que teimam em reduzir a vida apenas ao palpável, ao concreto e ao visível. A partida de Xistinho causou dor, choro, espanto, tristeza, e reflexão; por motivos óbvios…. Xisto Guerra da Silva Neto era um parente querido (tenho a sorte de pertencer ao caleidoscópio resultante dos DNA’s das famílias Guerra, Oliveira, Silva, Ferreira, Dias, Miranda e Moreira). Ele é uma das manifestações do transcendental na família Guerra, locus de inteligências singulares e corações alargados. Xistinho sempre nos lembrou São Francisco de Assis. Ele, assim como Francisco, era um amante da natureza, da beleza e da força da vida. São Francisco, em sua cosmologia da morte, nos diz que a morte é “uma irmã que nos conduz ao nosso destino derradeiro”. Para Francisco, morrer é entrar também em comunhão com o cosmos, é transcender, em plenitude. Em meio às várais conversas que tivemos, entre as miriades de objetivos de sua mesa de trabalho, ele recordou, como de costume, uma das frases de Xico Xavier: “Nos momentos de crise, não te abatas. Escuta. Por nada te revoltes, nem te amedrontes. Ora. Suporta a provação, não reclames. Aceita. Não grites com ninguém, nem firas. Abençoa. Lance de sofrimento, é o ensejo da fé. Silencia. Deus sabe o instante de intervir!” Xistinho é um homem do povo, pertence às pessoas. Ele acolhia a todos, o tempo todo. Era um homem que transcendeu aspectos do que era meramente religioso. Para ele, a religião não era apenas uma via, mas muitas, múltiplas; e a espiritualidade, apenas uma. Ele percebia com clareza que a religião, amiúde, era para os que dormem e que a espiritualidade é para os que estão despertos.
No útlimo dia 28 de julho, Xistinho penetrou no coração do Universo, “lugar” onde todas as coisas são uma, onde todas as teias da vida e das relações que constituem a realidade maior da existência encontram a âncora do sentido e da sustentação, o Ômega de Teilhard de Chardin. É a possibilidade de comunhão de tudo com o Todo, o momento que, enfim, nos tornamos cósmicos. Xistinho não morreu; encantou-se, naturalmente. E em breve nos encontraremos, todos. Afinal, esta é a época de reencontro, em todos os níveis. É o começo de um novo mundo, hic et nunc.
Saudade. É o que sentimos.
Brasília, 31 de julho de 2019.
Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira
Presidente do Instituto Espinhaço
Nas imagens: Xisto Guerra da Silva Neto, esposa, filhas, amigos e parceiros.
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